Por que o outro me incomoda tanto
Eu me lembro bem a primeira vez, há muitos anos atrás, quando me disseram que algo relativo a uma pessoa que me incomoda muito, seja uma característica ou atitude, significava que na verdade eu tinha algo relacionado ao mesmo assunto. Eu era imaturo e dei o maior “piti”! Afinal, como eu poderia ser igual aquele nobre colega que trabalhava comigo, o qual tínhamos uma péssima relação?
Bom, imagino que você também já se deparou com a mesma situação e não conseguiu assimilar o que você poderia ter em comum com algo que repudia tanto em outra pessoa, correto?
Aprendi anos mais tarde. Chamamos isso de projeção. Basicamente significa que o outro é um espelho de nós mesmos, seja para as qualidades ou defeitos. Com relação as qualidades, buscamos amigos pelas afinidades, e nossos ídolos por aquilo que admiramos e gostaríamos de ser. Quanto aos defeitos, nosso mental capta no outro aquilo que precisamos mudar ou superar. Pode ser um trauma, uma limitação, um medo, etc. Nos deparamos com muitas pessoas que possuem essas virtudes que não temos, mas então o que acontece? Geralmente, por uma razão óbvia, nos chama atenção aquelas que a usam de forma exagerada ou negligente, nos causando a irritação, e assim, trazendo junto uma miopia que nos impede de enxergar que aquilo que tanto incomoda é, na verdade, algo mal-resolvido dentro de nós que precisa ser trabalhando para que não venham a mexer nessa ferida novamente.
O problema é que este assunto é mal-explicado. As pessoas estão acostumadas a achar que se uma pessoa é invejosa e isso a incomoda, significa que ela também seria invejosa. Assim, ela deixa de acreditar neste assunto e perde uma grande oportunidade de observar e evoluir. Vou contar uma história interessante.
Em Miami, onde eu vivo, a comunidade cubana é dominante. Por obter a legalização facilmente nos Estados Unidos (até Janeiro/2017), por não fazerem questão de aprender e falar inglês, por serem tidos como folgados no trânsito e várias outras coisas, e por terem um comportamento bipolar e as vezes sem nenhum trato, eles não são nenhuma unanimidade. Se isso não bastasse, eu particularmente ainda me incomodava muito com os exageros na aparência deles. Eu não me conformava por me irritar com aquelas roupas coloridas cheias de estampas e bordas, adornos, correntes, relógios, bolsas, cabelos pintados, tatuagens e os óculos de sol cobrindo toda a cara em plena noite. Eu precisava entender porque aquilo me incomodava tanto. Isso significaria, então que, sem papas na língua, eu era mal-educado, inconveniente, bipolar, deslumbrado e cafona?
Na verdade, os cubanos não eram e não são nada disso. Eles são simplesmente livres e sem filtros. Enquanto são rigidamente julgados, a verdade é que eles não estão nem aí. Sabem viver o presente, são despreocupados, e por terem como base um regime de cárcere privado em sua terra natal, onde muitos têm familiares, sabem dar valor a liberdade que conseguiram nos Estados Unidos.
E como eu estava quando cheguei nos Estados Unidos? Preso! Preso em dúvidas, indecisões, inseguranças e crenças limitantes. Não sabia direito quanto tempo iria ficar e o que iria fazer. Precisava aprender e seguir a linha todas as regras do país. Tinha que construir relações de confiança e começar uma vida do zero. Eu tinha muitas obrigações quando estava buscando liberdade. E foi isso que eles me ensinaram. A mágica foi imediata. Aquele incômodo e julgamento hostil foi cessado, eu curei a relação com a comunidade cubana, e de quebra, desmistifiquei alguns bloqueios mentais que me impediam de viver à vontade aqui nos Estados Unidos.
É necessário analisarmos as entrelinhas de cada caso. Quando assim fazemos, além de restaurar um ponto fraco nosso, ainda tiramos de dentro aquele sentimento negativo com a pessoa e trazemos um rehab para nosso dia-dia.
Se você se incomoda com aquela pessoa que fala demais, ouve de menos e mal dá oportunidade para os outros falarem, não significa que você é egocêntrico e inconveniente. Possivelmente você tem desejos reprimidos de verbalizar e expressar suas opiniões ou sentimentos.
Se você se incomoda com uma amiga piriguete ou o amigo galinha e cafajeste, você não é uma ou um. Possivelmente você não está vivendo sua sexualidade com a liberdade e naturalidade que gostaria.
Se você se incomoda com pessoas que estão fazendo sucesso, você não necessariamente está correndo atrás dele, mas pode estar deixando passar oportunidades e conquistas, sejam grandes ou pequenas em quaisquer áreas da vida.
Se você se incomoda com pessoas que denotam arrogância ou prepotência, possivelmente o excesso de auto-confiança e auto-estima delas é o que está faltando em você.
Se você se incomoda com pessoas carentes e pegajosas, possivelmente você está camuflando uma aparente solidão ou isolamento.
Se você se incomoda com pessoas egoístas, pense a respeito do quanto você se cuida e se coloca como prioridade em relação a fatos e pessoas.
Se você se incomoda com aqueles amigos pão-duro ou mão-de-vaca, pense sobre que área da sua vida você está sendo mesquinho. Exemplo: o quanto está doando e compartilhando amor, atenção e conhecimento? Está guardando tudo para você, está “economizando”?
Com os exemplos acima, talvez agora fique mais fácil para que você lembre daquela pessoa que te causa gastrite. E se eu te disser que é possível cessar esse sentimento negativo, você faria um exercício? Se sim, então pense nela com outros olhos. O que de bom ela poderia estar me ensinando? O que por trás deste comportamento dela que me incomoda tanto está me mostrando? Que virtude existe ali que falta em mim? O que posso aprender com ela?
O que você prefere? Ter incômodo ou respeito e gratidão por alguém?
Desejo boa sorte na reflexão e encerro com um sábio e velho ditado que tem tudo a ver com o tema:
Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo.